Em 2019, a Música no Coração decidiu festejar a 25ª edição do Festival Super Bock Super Rock com um regresso ao Meco. Parece-nos que o balanço que certamente estará a ser neste momento feito no nº 25 da Rua Viriato terá um sabor algo agridoce, ainda que globalmente positivo e com boas bases para crescer, o que certamente fará tomar algumas decisões no que diz respeito à 26ª edição do Festival SBSR já anunciada para acontecer no mesmo local em Julho de 2020.
Espaço
O primeiro aspecto a considerar será inevitavelmente, o espaço. Nos tempos que correm, a exigência do frequentador de festivais mudou significativamente em relação ao passado.
Por exemplo, o Ecletismo Musical escrevia em 2007 sobre a 13ª edição do Super Bock Super Rock (uma das edições mais recordadas do SBSR e que teve uns super Arcade Fire a mostrar o Funeral, uns Interpol ou uns Bloc Party, entre muitos outros grandes concertos), que tinha estado constantemente muito vento e pó. E, onde é que esse festival se realizou? Num descampado com vista para o rio trancão! Seria possível voltar a ter um SBSR num espaço assim e não haver um imediato chorrilho de críticas?
Sendo que, este ano, apesar do local ser o mesmo, o Super Bock Super Rock mudou completamente a sua configuração. O recinto do festival passou a ser uma espécie de Sudoeste em ponto pequeno, uma vez que, ao contrário do passado, os palcos (bem como toda a zona de restauração e promoção) deixaram de estar espalhados pela floresta e passaram a estar todos no descampado que em edições anteriores funcionava como estacionamento.
A zona de árvores ficou exclusivamente dedicada ao campismo e parque de estacionamento.
Os acessos ao Meco, para além do pó que marcou outras edições do festival naquele local, sempre foram um problema. E este ano voltaram a ser no 1º dia do Festival. Quando, cerca de 20 mil pessoas (das 30 mil que esgotaram esse dia), decidiram sair do festival à mesma hora, imediatamente após o concerto da Lana del Rey.
O que podia ter sido diferente nesse dia em que muitos milhares estiveram mais de 3 horas para sair do parque de estacionamento?
Pela experiência acumulada diríamos:
– o facto do concerto ser a uma quinta-feira, véspera de dia de trabalho, certamente que levou a que uma parte significativa dos presentes quisesse voltar rapidamente às suas casas. Esse factor depende da tour da artista e provavelmente era incontornável;
– o facto de o cartaz não ter tido um phasing out que permitisse dividir o momento em que a decisão de abandonar o festival se manifestasse. Já que, a seguir a Lana del Rey só existiam dois nomes da electrónica, e, longe de serem mainstream. Talvez fosse diferente se, após o concerto da Lana del Rey, ainda existissem concertos que pudessem captar um número significativo de público e com isso ajudar na dispersão das massas.
– A pouca organização nas estradas de acesso. Já era esperado que existisse uma debandada geral da multidão a seguir ao concerto da Lana del Rey, teria sido certamente melhor que os sentidos de entrada e saída fossem diferentes e não que se circulasse nos dois sentidos. Aliás, a medida até foi publicada para o 2º e 3º dia, onde, claramente, os problemas não seriam os mesmos.
Conceito
O SBSR depois de vários anos no Parque das Nações, em que, grande parte das críticas foram a de que tinha deixado de ser um festival, uma vez que um espaço com palco dentro do Meo arena ou debaixo da pala do pavilhão de Portugal não eram o que se podia identificar como sendo um festival de verão.
Os cartazes também foram deambulando ao longo dos anos, bem como o público que reunia à sua volta. Em 2019, com o regresso ao Meco fica novamente uma interrogação: a região de Lisboa tem capacidade para se organizar um festival de Verão no meio da natureza, mas suficientemente perto de Lisboa para a esmagadora maioria do público não usar o campismo?
Um festival de Verão na praia mas em que 90% das pessoas se desloca para ver os concertos e volta para suas casas é viável e justifica ser realizado naquele espaço ou, pela comodidade que hoje as massas exigem, só faz sentido ainda assim em cidade, seja num descampado junto ao rio trancão, seja no espaço privilegiado do Parque das Nações?
Pelos vistos, a decisão da Musica no Coração, para a qual certamente contribuirá a decisão da Câmara Municipal de Sesimbra em apoiar o evento, será a de manter o Festival no mesmo local.
Depois desde primeiro ano de nova configuração, que certamente servirá para limar algumas arestas, espera-se uma 26ª edição com um cartaz robusto e com uma logística ainda mais afinada do que a que se verificou este ano.
Ups and Downs
UPs
A utilização do sistema de casas de banho ecológicas que genericamente funcionou bem, e que, juntamente com a medida de reutilização dos copos já introduzida em anos anteriores, torna o espaço mais amigo do ambiente.
A iluminação da zona do parque e de acesso desde o mesmo até ao festival.
As instalações/condições para o campismo e a organização do espaço, ainda que tenha naturalmente beneficiado igualmente do facto de não ter havido uma enorme afluência.
Genericamente a pontualidade dos concertos e as condições técnicas especialmente nos palcos secundários.
DOWNs
A organização do espaço podia beneficiar se a zona das mesas e bancos estivesse mais afastada do local de compra de comida, uma vez que se formaram muitas vezes enormes filas para adquirir comida no meio das mesas e bancos.
Alguma desorganização na gestão dos espaços para pessoas com mobilidade condicionada, tendo sido por vezes visto em vários concertos uma multidão nesse espaço, o que indicia que esses espaços não foram sempre controlados.
O som em alguns concertos, especialmente no palco super bock apresentou algumas diferenças de volume, em parte provavelmente em virtude do vento, sendo que a estrutura central pareceu estar colocada demasiado perto do palco e ser uma estrutura demasiado pesada para o evento.
Concertos
Em termos genéricos, foi mais uma vez possível comprovar , a transformação do público português no que diz respeito aos músicos nacionais.
Alguns dos concertos mais concorridos e onde o público mais vibrou foram os de Profjam; Capitão Fausto; Dino D’Santiago ou Branko;
18 Julho – Dia 1
Destaque natural para a artista que levou uma parte muito significativa do público ao Meco. Lana del Rey é um fenómeno incontornável e de difícil catalogação.
Um espectáculo muito bem montado, numa artista muito competente, que esteve sempre entre o fenómeno indie do início e a máquina pop muito bem oleada dos tempos mais recentes, e em que, os back vocals e outros elementos electrónicos de suporte à voz são utilizados com mestria e criam uma roupagem envolvente e capaz de agarrar os espectadores.
Adicionalmente, de uma forma muito inteligente, e que, será difícil de definir ser mais ou menos genuína, Lana mostra-se extremamente simpática e aberta com os seus fãs, chegando a parar o concerto e a descer (mais de uma vez) até à grade para dar autógrafos, tirar selfies com fãs e receber beijos na cara, para além de diversos presentes que os mesmos, sabendo desta sua forma de interagir, já levavam preparados.
Para além de Lana del Rey, destaque para os concertos dos Glockenwise e Grandfather’s House que se mostraram a bom nível no sempre difícil horário de início de Festival.
Depois, incontornável referência a Cat Power que, ainda assim, apesar de ter atuado numa 5ª feira às 19h15, juntou uma boa moldura humana para assistir à sua atuação “em stereo”, com a utilização de dois microfones em simultâneo em parte significativa dos temas que apresentou e que passaram pelas diversas fases da sua carreira.
Um dos nomes muito esperados para este primeiro dia de Festival eram os Jungle e confirmaram parcialmente as expectativas. Deram um bom concerto, mostrando ser uma banda consistente, tendo conseguido despertar o muito público já presente no concerto em alguns dos seus temas mais orelhudos, com destaque especial para Casio, mas terão sido prejudicados pelo pouco interesse (e, para não variar muita conversa e falta de respeito do público para com quem está a atuar e, já agora, para com os outros espectadores que querem verdadeiramente estar num Festival a ver e a ouvir concertos) de uma parte significativa dos presentes, o que acabou por arrefecer um pouco o concerto.
Sobre Dino D’Santiago e Branko foram dois concertos muito concorridos e excelentes prestações de ambos a confirmar, mais uma vez, o excelente momento em que estão e que os farão continuar a crescer significativamente.
Uma palavra também para Conan Osiris que continua a ser um fenómeno de popularidade e que deu mais um concerto muito profissional (está cada vez mais confiante e isso só lhe acrescenta valor, uma vez que “telemóveis” sempre esteve longe de representar o que é enquanto artista) e onde o non sense visual e das letras é apenas uma aparência criativa.
The 1975, que apresentam um ecletismo musical muito interessante, num conceito que extravasa o simples pop/rock britânico, foram capazes de, com a jovialidade e aspecto de vedeta de cinema dos seus membros, captar a atenção de muitos dos jovens que povoavam o espaço e que deliravam com cada um dos hits.
Nota final para os Metronomy que fizeram uma enorme festa no Palco EDP num horário difícil, começaram às 23h30, imediatamente antes da Lana del Rey começar o seu concerto no palco Super Bock. Ainda assim, não foi só em «Look» que levaram todos os (muitos) presentes ao rubro, num espectáculo contagiante e de energia constante do princípio ao fim.
19 de Julho – Dia 2
O segundo dia do Festival ficou marcado desde logo pela muito menor afluência de público, que esteve muito longe dos 30 mil do primeiro dia, mas também do número de presentes no terceiro dia do SBSR 2019.
Num dia marcado por diversas bandas francófonas, o que não é muito comum por terras lusitanas, quem começou a brilhar foram dois projetos de campos diametralmente opostos: Conjunto Corona com o seu hip hop de forte assinatura psicadélica, sarcástica, mordaz e com muitas referências da área metropolitana do Porto, e que estão a viver tempos dourados com o seu álbum “Santa Rita Lifestyle” e os Fugly com o seu frenético som entre o noise e o garage e com alguns laivos de punk na performance ao vivo.
Um concerto que teria beneficiado de um horário e público diferente foi o de duas instituições: Calexico and Iron & Wine.
Destaque para o estimulante Charlie Steen, vocalista da banda britânica Shame, que claramente ganhou o prémio de vitalidade e empenho do festival. Excelente concerto, entre o rock/punk juvenil e o pós-punk de uma banda que teve uma prestação que ficará na memória de quem teve oportunidade de assistir.
Os Capitão Fausto demonstraram no SBSR estar a atravessar um excelente momento de popularidade, tendo conseguido congregar largos milhares em volta da sua apresentação num dos principais festivais nacionais.
Tempo para falar de duas artistas de mão cheia. Em dois estilos completamente diferentes, quer Charlotte Gainsbourg, quer Christine and the Queens brindaram os presentes nos seus concertos com excelentes prestações.
Enquanto Charlotte é detalhe, sombras, preto e neons brancos num ambiente cinematográfico, misterioso e sempre comedido, Christine é pride, é festa, é dança, é musical em formato live, sendo a personificação da energia numa excelente voz e contando com um excelente espectáculo coreográfico (o corpo de bailarinos/as que a acompanham são fantásticos). Um enorme concerto cénico e que ficará na memória.
No segundo dia, em que como se disse o recinto esteve a meio gás, grande parte do público terá ido por causa dos franceses Phoenix. A banda de Thomas Mars não desiludiu certamente os fãs e para fechar a sua tour deu um concerto enérgico e eficaz. Não foi memorável, mas foi profissional.
Talvez para os mais desatentos, French Kiwi Juice aka FKJ seria um nome a passar despercebido no segundo dia do Festival. Mas, Vincent Fenton, que é um autêntico fenómeno de visualizações no Youtube ou audições no Spotify é um one man show capaz de, sozinho em palco, produzir um som carregado de layers e influências que vão do jazz à electrónica. Muito provavelmente, o melhor momento da noite e um dos melhores de todo o festival.
Palavra ainda para os excelentes Ezra Collective e o seu jazz carregado de bom gosto e para o talento de Kaytranada que mescla o hip-hop e a música electrónica com uma roupagem onde o estilo clássico se funde com a modernidade.
Dia 20 – Dia 3
O terceiro dia apresentava um cartaz que misturava diferentes tribos, mas onde o hip-hop era predominante.
Depois de um excelente arranque com o brasileiro Rubel (que rapidamente vai ser nome grande em Portugal) e que é carregado de talento, romantismo e classe no que faz, o primeiro grande momento do dia foi o concerto que abriu o Palco principal, nada mais, nada menos do que Profjam.
No dia em que o recinto do SBSR se encheu para celebrar o trap dos Migos, foi um dos precursores desse género em Portugal, a dar um dos concertos que mais ficará na história desta edição do SBSR.
Enorme enchente, muitos milhares a cantar cada refrão e a acompanhar cada beat com um entusiasmo contagiante e que demonstrou mais uma vez que o Hip-Hop é música de massas e que é capaz de encher festivais de Verão.
Para quem acha que Mário Cotrim é um rapper sem conteúdo por fazer do trap o seu reino, deverá assistir à entrevista que o artista deu ao Rui Unas no Maluco Beleza, a provar mais uma vez a máxima de que: “o que fazemos não somos o que somos”.
Seguiram-se dois concertos muito consistentes, por um lado a festa de Masego e mais uma lição de Janelle Monáe sobre o que é um concerto de uma super estrela mundial. Não é preciso muitos adjectivos. A pop bem feita é isto e o espectáculo cénico foi irrepreensível.
Palavra para Estraca, o rapper da musgueira que levou a sua energia e talento para o SBSR, num concerto que foi prejudicado por estar imediatamente antes dos reis da festa, o que fez com que existisse alguma dispersão e pressa da multidão ávida pelo trap dos Migos e, bem menos, pela lírica de intervenção de um dos nomes maiores da nova escola do hip hop tuga.
Depois do festival de loucura que foi o concerto dos Migos, seguiu-se a festa dos Disclosure em formato DJ Set e que fizeram dançar todos (os muitos milhares) que se mantiveram junto ao Palco Super Bock.
Resta agora esperar por 16, 17 e 18 de julho de 2020 para comprovar como será a 26ª edição do Super Bock Super Rock que terá novamente lugar na Herdade do Cabeço da Flauta.